O BAILARICO DA ALDEIA.
Bailarico
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Nas
décadas de 50 e 60, aos domingos, feriados e dias santos, o largo, onde se
malhava o trigo e o centeio, era, também, o centro do mundo, para as boas
gentes da minha aldeia. Ali se reuniam as mulheres viúvas, bem como as
casadas, acompanhadas das filhas solteiras, onde, além de colocarem a conversa
em dia, quase sempre em torno de problemas relacionados com a agricultura,
aproveitavam, também, para combinar e pedir
a casa onde, com a juventude que existia, se iria realizar o bailarico
nesse domingo, já que este era o único
divertimento, na época, existente. Trabalhava-se duro na agricultura de
segunda a sábado e as jornadas eram do nascer do sol ao Sol-posto. Vida dura! Toda a gente esperava pelo
Domingo! Sagrado dia de descanso!
Citação
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Os homens! Reuniam-se na taberna, onde jogavam às
cartas, e continuavam a alimentar a necessidade de « rincer le siphon» (1) com
o seu copito de vinho, acompanhado , quase sempre com tremoços ou amendoins ,
para ali ouvirem, quando havia, os relatos de futebol já que, na aldeia, a única telefonia existente, alimentada a pilhas, era ali que residia.
Taberna
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Chegava-se,
com
a juventude que havia, a fazer dois
bailaricos na aldeia; As moças
vinham acompanhadas das mães, sendo os bailes alumiados pelas candeias, a
petróleo ou de azeite, com que se fizeram acompanhar desde as suas casas.
Candeias
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As mães acomodavam-se, depois, em cima das
arcas do milho ou do centeio que existiam encostadas à parede, ponto
privilegiado de observação dos seus tesouros;
Os pais ficavam na varanda à espera
que alguém os convidasse para irem começar
a via-sacra das adegas, que consistia em andarem de adega em adega, a esvaziar
levas, até o baile acabar, para depois regressarem a casa todos «zambros»(2) e
a «azambalhar» (3). Por vezes tinham que ser as mulheres e as filhas
a trazê-los para casa quando, estes , se não podiam mover com os seus próprios
pés. Isto, infelizmente, acontecia muitas vezes. No dia seguinte, estes heróis, já estavam guichos (4)) e, novamente, prontos para
continuarem a xurdir (5). Bastava para o efeito, a ingestão, logo de manhã ,dum
copito de aguardente acompanhado de figos secos.
Bailarico de roda
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Os
bailes iniciavam-se sempre com cantigas de roda interpretadas por todos os
intervenientes quer destoassem ou não; Quase sempre a primeira cantiga, que
ainda hoje mora no meu ouvido era, como segue;
I
VIRA-TE P´RA MIM Ó ROSA.
MEU AMOR JÁ ESTÁ VIRADO.
ESTES RAPAZES D´AGORA
USAM O CHAPÉU AO LADO.
II
USAM O CHAPÉU AO LADO,
MEU AMOR FOI SEMPRE ASSIM!
QUEM ME DERA AO PÉ DELAS,
OU ELAS AO PÉ DE MIM.
E
o baile continuava assim, com esta litania (6) repetitiva, até que aparecessem os
tocadores de harmónio ou de concertina que, por vezes, se faziam rogados, para
animar o baile. Mas, como eram privilegiados, pois, ao escolherem o par, podiam
dançar toda a noite com ele sem serem incomodados e, assim sendo, lá se abria o
fole para começar o baile que acabava, normalmente, lá para as 3 horas da
manhã.
Com exclusão dos tocadores, como disse, no
baile havia regras, os rapazes da aldeia, eram presenteados, por vezes, com a
vinda de outros dançarinos provenientes de aldeias vizinhas e, sempre que
isto acontecia, eles não ficavam nada satisfeitos, pois as moçoilas eram em
menor número do que eles e, lá se tinha de andar a bater no ombro do dançarino
no ativo, para pedir que este lhe emprestasse o par.
Por
vezes as regras não eram cumpridas, visto que os dançarinos, por hábito,
deixavam logo a moçoila pedida para a moda seguinte e, os outros rapazes quando
as iam para puxar, ouvia a resposta «desculpe
já tenho par».
Sempre
que isto acontecia, os rapazes recuavam envergonhados e, a partir daí, o «caldo começava a entornar-se», já que toda agente na
sala ficava a olhar para a «cena»;
Ao recuarem, ficavam na periferia, a aguardar que a moda começasse para, depois,
começarem a bater nos ombros dos outros dançarinos
para lhe «ratarem o par».
Havia
artistas que diziam «Esta noite só me
vou embora quando dançar com todas as moçoilas». E, então, começavam por
escolher aquelas que não exerciam tanta «pressão»
para os manter à distância, pois, para eles, quanto mais agarradinhos melhor. Havia algumas moçoilas que, não
estavam pelos ajustes, e puxavam o cotovelo do braço direito para cima e
colocavam a mão direita, sobre o ombro do dançarino, a qual funcionando como
uma mola, permitia-lhes manter os mais excitados
à distância.
Lembro que esta prática era
utilizada no período em que os pais andavam na via-sacra das adegas, pois logo
que eles apareciam à porta da casa do baile, acabava-se-lhes logo «o calor».
Cena de pancada
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Ora
caros leitores, até aqui tudo pareceram rosas, salvo os pequenos espinhos citados,
mas havia alguns «habitués» (6) que, antes de entrarem para o baile, já tinham
escondido, cá fora os varapaus (7), para quando as coisas não lhes estivessem a
correr de feição começarem à porrada. Estes artistas também tinham uma regra
que era a de começarem primeiro a partir todas as candeias da sala e, depois,
começavam a estender «roupa» sem saber onde batiam, gerando-se, então, uma
confusão danada, com toda agente a fugir
e assim se acabava o baile.
Os
prevaricadores, depois, eram premiados com saraivadas de pedras no exterior,
para aprenderem a lição, contudo, depressa se esqueciam e as cenas,
infelizmente, voltavam-se a repetir.
Bêbado
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O
vinho estava quase sempre associado a estas cenas que, infelizmente, sendo frequentes,
já faziam parte do triste espetáculo!
Mas, mesmo assim, eram bons tempos que recordo com saudade.
Legendas : 1- Rincer le siphon, molhar a
goela. 2- Zambro, com as pernas arqueadas.3- Azambalhar, Ziguezaguear, não
caminhar direito. 4- Guicho, ficar bom. 5- Xurdir, lutar pela vida. 6- Habitués,
quase sempre os mesmos. 7- Varapau, vara com 4 ou 5 cm de espessura e com cerca
de 1,80 m de comprimento.
abibliotecaviva.blogspot.pt
26-01-2014
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