OS ESPELHOS NÃO MENTEM.
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Autor: José Mauro de Vasconcelos
Antes de voltar a
arrumar o livro na estante, transcrevi mais este trecho «Cantiga da Velhice»
que espero, gostem.
« Giribel passou junto
do rancho e encontrou Madrinha Flor com as mãos caídas sobre o colo. Encostada
no mourão da porta, ficava vendo o motor subindo na curva do rio. O poque-poque
martelava na distância.
Chico do Adeus,
debruçado na janela, também espiava o motor subindo no brilhante do estirão.
Ele comentou em voz alta:
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«Quem nasce
cum raiz não viaja memo».
--- Diabo, se eu fosse
maluco do pão, numa hora dessa tava dano adeus para todo mundo. Mas quem nasce cum raiz num viaja memo.
Giribel olhou Madrinha
Flor.
-- Zé Orocó também
foi, num foi madrinha?
Ela acariciou sua
carapinha rala.
---- Foi,
Soltou a mão e a mão
descaiu sem vida, como um pedaço de chumbo. Aquele chumbo que intumescia seu
peito, cada partícula do seu ser. Suas forças, suas carnes morriam num cantar
desesperado. Algo que nunca fora seu acabara de partir levando todo o seu
rápido ressurgir para a vida. De agora em diante, as noites seriam bem mais
longas e os dias caminhariam como duas eternas paralelas sem jamais se encontrar.
Madrinha Flor
conseguiu entrar no rancho. Mas ao longe o ronco do motor era o pêndulo do tempo. O tempo lhe mostrava uma amarga verdade.
Passaria a usar um lenço nos cabelos para esconder o branco que se iria alastrar
pela sua cabeleira longa. Lavaria outros suores, alimentaria outras bocas, mas
tudo seria diferente… tudo estaria morto e oprimido.
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Apanhou o espelho e
sentou-se no banco. Apoiou-se sobre os cotovelos e fixou sua imagem no espelho.
Aquele não mentia. Não criava ilusões. Sua boca pendia sustentada por duas
rugas profundas; marcas de sol criavam grandes pregas em volta dos olhos e os
olhos imploravam piedade e renovação.
Premiu as mãos sobre
os peitos murchos e murmurou baixinho, colando os lábios ao espelho amigo,
enquanto seu coração comentava, amedrontado…
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--- Eu tô véia… Eu tô
véia… »
abibliotecaviva.blogspot.pt
29-01-2014
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