ATIVIDADES EXTINTAS – O
RESINEIRO.
«PINHEIRO BRAVO- PINUS ERECTUS»
«Profissional! que consegue dançar com um par, durante oito meses, que
não mexe os pés»
INTRODUÇÃO.
Quando, em tempos
li, da minha biblioteca física, o livro «Sonho do Celta, publicado em 2010, cuja
leitura, vivamente, aconselho, onde o escritor peruano, Mário Vargas Llosa, biografa
a vida de Roger Casement, Homem que sempre defendeu a importância de
ser livre, e por isso, ao ter defendido,
também, a causa da independência da Irlanda que veio a acontecer em 1921, sua
terra natal, foi acusado de traidor,
pelo Reino Unido, e executado em 1916
sem que, em vida, tenha visto o seu «sonho de celta “realizado. Lembro que a
Irlanda foi, primitivamente, povoada pelos Celtas e convertida, depois, ao
cristianismo durante a Idade Média.
Roger Casement foi , desde 1895, cônsul britânico, no
Ex-Congo Belga, Brasil e na Bacia do Putumayo da Amazónia Peruana donde vai testemunhando e denunciando o modo esclavagista como, os naturais e suas mulheres, que ficavam a residir nas «maisons des
otage» enquanto aqueles se dedicavam à
faina da recolha do « latex», nas árvores da borracha no Congo e em Putumayo, eram tratados e explorados pelos
colonialistas.
Árvores da Borracha
Diz-se que Joseph
Conrad se inspirou primeiro, naquelas denúncias para escrever a sua obra o Coração das Trevas», em 1902, levada
ao écrans em 1979, pelo realizador Francis Ford Coppola no filme americano
Apocalipse Now e, depois, que as viveu também, quando foi
colocado por uma empresa belga como comandante dum navio no Rio Congo e, de
cujas margens, na companhia de Roger Casement, observou e confirmou tais
denúncias.
Ao ler a obra citada,
quis deixá-la expressa, na introdução deste trabalho, como um assunto triste a meditar, em relação ao «Modus faciendis» dos resineiros da minha aldeia» no tocante à extração
da resina do « pinus erectus», vulgo, pinheiro bravo .
Por comparação dos textos, sendo as tarefas, também, bastante
duras, os nossos resineiros foram uns felizardos (risos).
Assim, antes de
falar da atividade do «Resineiro»
que desenvolverei na presente narrativa, queria abordar a importância que o pinheiro
bravo « pinus erectus», teve nas décadas de 40 a 90 do século XX na vida das famílias, da Zona
mais a Norte do Distrito de Leiria , que abrange os concelhos de Figueiró dos
Vinhos , Pedrógão Grande e Castanheira de Pera, onde existe uma forte concentração de propriedade privada
em regime de « minifúndio» .
O pinheiro era a
fonte financiamento das famílias, visto que só, na altura dos casamentos dos
filhos, de uma doença ou de um batizado, era que se procedia à venda de alguns
para fazer face a essas despesas, com mais incidência nas décadas de 30 a 60, em que o dinheiro, praticamente,
não circulava, obrigando até algumas autarquias a criar cédulas, que circulavam
como pagamento como complemento às notas emitidas pela Casa da Moeda, conforme
imagens seguintes digitalizadas da coleção do autor do texto.
Nestes concelhos
com exceção de Castanheira de Pera, elevado a concelho em 1914, onde já existia
emprego nas fábricas de lanifícios, vivia-se quase exclusivamente duma
agricultura de subsistência, pelo que, para ajudarem os pais, os filhos, de
ambos os sexos, começavam a trabalhar na agricultura, bastante cedo, e o que ganhavam
fazia parte integrante do orçamento familiar e assim continuava até à sua
emancipação ou casamento.
Quando o trabalho
local o permitia, saiam da aldeia para fora da terra, para a; vindima, apanha
da azeitona, cavas das vinhas e ainda outros trabalhos tão bem descritos no livro
Gaibéus de Alves Redol onde, dos naturais chamados «rabezanos», nome por que
eram conhecidos os trabalhadores rurais da zona de Vila Franca de Xira, ficavam
sujeitos à chacota destes, dando ênfase ao título do livro citado.
Para os Gaibéus, eram sempre destinados,
pelos feitores, os piores serviços do campo. Esta chacota só era vingada, com um
«manguito» a uma só voz , celebrizado
pelo ceramista Rafael Bordalo Pinheiro. ( Risos) quando estes, já se
encontravam dentro da locomotiva para regressarem às suas terras de origem . Antes!
Chiça! Risos).
Nas
tarefas inerentes à mesma, existia, com frequência, na época das sementeiras do
milho que se iniciavam em Abril e terminavam em Maio, nas zonas em que as
terras por, terem estado alagadas, não permitiam o cultivo mais cedo, um regime
de «troca – por-troca» dos dias de trabalho, que eram, como disse, de sol a sol.
Em
alguns casos, a jorna era paga com um alqueire de milho (11Kilos) ou, quando
paga em numerário, nos anos sessenta, não ultrapassava os vinte escudos, e
decorria desde o nascer do até ao sol-posto A vida do campo, sem mecanização
existente, era bastante dura.
1 - EXPLORAÇÂO DO
PINHAL
Para o exercício da
atividade, o pinhal era alugado aos proprietários, quer por resineiros em nome
individual, para pequenas quantidades a explorar quer, por firmas que, durante
aquele período de exploração, que terminava em 31 de Outubro, já que a raspa
era feita em Novembro, com pessoal assalariado. Havia ainda alguns
proprietários que faziam a sua exploração, por conta própria, indo depois
vender a resina à fábrica que se encontrava em Pombal - «Mais ou menos 40
Quilómetros de distância». Cada resineiro tinha capacidade para explorar, mais
ou menos 4.000 pinheiros.
Em função da quantidade a explorar, logo que
o último pinheiro acabasse de ser renovado, cerca de um mês depois, começava a
recolha da resina nos moldes que à frente nesta narrativa se descrevem. Assim,
após combinado o preço a pagar pela exploração de cada pinheiro, que variou entre
7$00 e 90$00, entre as décadas de 60 e meados da década de 90 do século XX,
década esta em que atividade foi extinta, ficavam criadas as condições para que
a atividade fosse iniciada.
Em 1984, conforme
análise à imagem do documento a seguir, numa pequena campanha de exploração de
(1713+187) = 1900 pinheiros, verifica-se, a chamada atividade 50/50, isto é; metade do rendimento para cada um dos intervenientes, proprietário e resineiro. donde cada pinheiro rendeu 81$36 e proprietário recebeu apenas 40$00, no caso apresentado.
1.0 - Preço pago por Kg de Resina na fábrica = a 40$00.
(154.600$00/3865 Kg).
1.1 – Média de resina por pinheiro, temos: 3865 Kg de Resina =
1900 pinheiros = a 2,034 Kg de resina paga ao resineiro na fábrica x 40$00 =
81$36.
1.2-Custo de Exploração por KG ao resineiro = a 20$05. (74.788$00+1432$00+1000$00+300$00)
= 77520$00 /3865 Kg = 20$05/Kg.
1.3- Preço pago pelo aluguer a cada proprietário = a 40$00,
(68.520$00/1713).
Esta importância é
igual à mencionada no documento, pelo contribuinte resineiro.
(7.480$00/187)= 40$00.
1.4- Quebra por cada púcaro quebrado = a 5$00.*1
1.5- Refugo de cada bica = a 3$00,*2
1.6- Material de ativação «ácido» = (1.432$00/1900) = 75
centavos por sangria/incisão.
1.7- Outras despesas já incluídas em 1.1: Angariação da área
da resinagem =1.000$00; distribuição dos púcaros junto dos pinheiros = 750$00;
transporte de 19 bidons/barricas para o estaleiro = 1900$00; arranque das bicas
e pregos*= 2000$00 e finalmente a contagem do pinhal para pagar aos
proprietários = 1500$00.
* Inicialmente os púcaros eram fixados nos pinheiros por
estacas em madeira. Os pregos, que se seguiram, vieram facilitar o trabalho,
mas eram pregos sem cabeça. (risos). Estes, após a safra, eram arrancados e
endireitados para serem novamente utilizados na campanha do ano seguinte.
*1 – Os resineiros consideravam 10% para efeitos de púcaros
partidos (1900*10%=190 púcaros quebrados). Os restantes eram reaproveitados na
safra seguinte.
*2 – Em relação às bicas consideravam 5% para efeito de refugo
(1900*0,5%=95 Bicas desaproveitas para a safra seguinte). As restantes eram
queimadas para serem, depois, na campanha seguinte, reaproveitadas.
Donde, do aluguer do
pinhal, o proprietário de 81$36, valor da resina retirada de cada pinheiro,
recebia apenas 40$00 do resineiro, sendo a diferença absorvida, por este, em custos
com jornas e contribuições a pagar às Finanças, pois era obrigatório o seu registo
tendo, para o efeito do cálculo da contribuição industrial a pagar, de
apresentar a relação da sua atividade em relação a exploração do pinhal que
alugou onde, era incluindo na mesma, o próprio pinhal do resineiro
contribuinte. Nada de fugas. (risos).
A indústria da
resina alimentava muitos interesses! sendo que, aos proprietários, como sempre,
era pago apenas o preço que os resineiros das várias povoações, conhecedores do
preço por Kg de resina, também fixado pela fábrica, combinavam entre si! Nada
de concorrência entre eles! Mas tudo ia vivendo feliz! (risos).
1-1- DESCARRASCAR E COLOCAÇÂO DO PRIMEIRO RECIPIENTE DE RECOLHA.
Nos
meses de Fevereiro a Março os pinheiros, já explorados anteriormente e que
ainda tinham espaço para levar a nova sangria ou incisões, porque alguns, pelo
seu porte, levavam mais do que uma, eram descarrascados.
Para os pinheiros a explorar de novo havia
a regra de 60 cm de diâmetro à altura do peito. Conforme imagens seguintes, o
resineiro utilizando um ferro, adequado desbastava em cada pinheiro, tirando a
casca ou «carcódea, nome por que também é conhecida a casca», deixando cerca de 1cm de casca numa área de +- 35cm de
largura por 65 cm de altura, sobre a qual iria desenvolver o seu trabalho até
31 de Outubro.
Ferramentas do resineiro
Pinheiro com as duas primeiras renovas
1.2- EXTRAÇÃO
DA RESINA
Inicialmente esta é
feita com um ferro curvo «ver imagem» que tira, na horizontal, um sulco da
camada descrita em 1-1 de +- 3 cm, ver imagem inicial. Esta operação era
repetida de cinco em cinco dias, mas tinha o inconveniente de ir desgastando o tronco
do pinheiro, com as aparas que iam saindo, as quais eram aproveitadas, depois,
como acendalhas para as lareiras, o que impossibilitava a venda daquela parte
para madeira, resultando daí, um prejuízo futuro para o proprietário, que não
era compensado com as aparas de madeira entretanto aproveitadas.
Esta
prática foi substituída, depois pela utilização do ácido sulfúrico que passou a
ser pulverizado com uma seringa sobre o corte com a vantagem de não estragar o
tronco do pinheiro e de só se aplicar de 10 em 10 dias de calendário por um
lado e, por outro, veio facilitar a tarefa da raspa já que, conforme imagens,
as superfícies donde era retirada a resina ficavam lisas, o que não acontecia
anteriormente conforme citado no período anterior.
O suporte de fixação dos recipientes- Antes cunhas de madeira, depois em pregos.
Recolha para sacos de plástico
1.3- RECIPIENTES DE RECOLHA.
Os recipientes
inicialmente, sendo de barro, foram depois, com o aparecimento do plástico,
conforme as imagens seguintes documentam, substituídos por sacos que vieram
otimizar a recolha já que, entravam diretamente nas latas, sem necessidade do
uso da espátula que, anteriormente, se verificava para o efeito.
Na época havia pinheiros que, pelo seu
porte, chegavam a ter montados, à sua volta, andaimes para poderem ser
explorados pois, alguns, chegavam a ter mais de vinte sangrias, cisuras ou
incisões.
1.4 – RECOLHA E
TRANSPORTE
A recolha, quando da existência de
recipientes de barro, púcaros ou «caqueiros de resina como eram conhecidos» era
feita com uma espátula, mensalmente, para latas de vinte quilos, que eram
despejadas em barricas de madeira de 200 litros, ou de lata, vulgo bidons, de 220
litros de capacidade «ver imagem abaixo do bidon, espátula nas mãos da mulher,
outra lata de 20 litros de resina para despejar/despejada e os púcaros ou caqueiros.
A distribuição destas, no pinhal, era feita de acordo com as distâncias a
percorrer, sendo, depois, transportadas em carros de bois, machos ou burros,
etc. para os locais onde os camiões tinham acesso, sendo estes que a deslocavam,
depois, acompanhados dos proprietários da resina, para poderem assistir, ao
peso da mesma, na fábrica.
Transporte para carregadouro
Consta que havia situações em que se virava o
feitiço contra o feiticeiro «risos» pois havia resineiros que colocavam em cada
barrica uma lata de 20 litros de água, a qual era muito bem mexida com um pau
grosso até ser bem absorvida na restante resina para que a balança os viesse a
favorecer.
Só que, se a mistura
não fosse bem-feita, ao serem descobertos, e ao verem os descontos efetuados
com penalizações que chegavam a ser de 25 kilos, por barrica/bidon, nas faturas
da pesagem, ficavam sem vontade de repetir a «cena”, já que corriam ainda o
risco da fábrica lhes recusar a entrada de mais resina…
Lembro, que, nesta sua
profissão, como fruto do seu trabalho, saía o seu sustento e da sua família!
1-5 – A RASPA DA
RESINA.
A raspa, conforme imagem, consistia depois do fim da safra
«31 de Outubro» normalmente, até ao S.Martinho
«11 de Novembro» em retirar a crosta de resina que durante a exploração ficou
retida no tronco do pinheiro, na área descrita
em 1.1.
Raspa da resina
2- CONCLUSÕES.
Conforme imagens do
texto, as mulheres tiveram também um papel importante; na recolha da resina,
retirada e distribuição dos púcaros, no transporte e na raspa, já que as suas
jornas era metade da dos homens.
«Os Resineiros» foram, sem dúvida, uns heróis e uns verdadeiros
maratonistas pois, terrenos planos, como os do Pinhal de Leiria, iguais ao
espelhado na penúltima imagem, não existem nestes concelhos a que me tenho
vindo a referir.
Terrenos acidentados
Pinhal ordenado que nesta zona não existia
Os terrenos, como disse, são bastante acidentados e o
desenvolvimento da tarefa, no período citado «Abril a Outubro», obrigava a um
aproveitamento do tempo «visto à lupa» porque ainda a manhã vinha do outro lado do mundo já lá estavam estes Heróis prontos para começar a dança com
estes pares que não mexiam os pés e,
a mudança de par, estava na cabeça destes homens com um saber de experiência
feito. No verão, com o calor que, na época, se fazia sentir, era impossível,
a estes homens, desenvolverem a sua atividade dentro dum horário de trabalho
normal como aquele que era praticado, por exemplo, nas fábricas de lanifícios
de Castanheira de Pera.
Havia uma vantagem
que consistia em que os terrenos estavam limpos de mato que era todo
aproveitado para fazer as camas aos animais, cobrir as ruas para ser moído
pelas pessoas e carroças indo, depois ter como destino final, o estrume para as
hortas, já que adubos químicos, se existiam, eram poucos e o dinheiro para os
adquirir existia, ainda menos, nos bolsos destas humildes, hospitaleiras e
laboriosas gentes.
Sabe-se que um
pinheiro, para dar madeira, leva quase trinta anos a crescer e os incêndios
provocados também por falta da limpeza das florestas e, nalguns casos por mãos
criminosas, tem vindo a destruir toda esta mata que, desde tempos de antanho, tinha
sido fluorescente.
Atualmente o
repovoamento da floresta está a ser feito pelos eucaliptos, por plantação
direta, e pelo seu nascimento espontâneo, que resulta das suas sementes, que o
vento propaga. Nestes, sendo de crescimento rápido e, não havendo qualquer
entrave na entrada da madeira nas fábricas quanto à grossura da madeira, os
proprietários encontraram aqui a nova fonte de financiamento, já que o corte
pode ser feito a partir dos quatro/cinco anos, se quiserem, porque, o seu crescimento
é rápido. Têm ainda a vantagem de durante três ou quatro décadas, não ser preciso
renovar a plantação, visto que eles rebentam, rapidamente, após cada corte efetuado.
Durante o período
citado no período anterior, existem estas vantagens económicas para os proprietários.
Diz-se que «são uma praga» (risos), pois além de ser onerosa a replantação, no
tocante à remoção dos pés das árvores antigas, também toda a matéria orgânica e
humidade daqueles solos quase que desaparece, pelo que existem regras para a
sua plantação junto de fontes de água e solos aráveis.
Mancha de pinhal, ao fundo, que só existe praticamente em volta das aldeias.
Hoje, a floresta de pinheiro bravo praticamente está reduzida a uns pequenos núcleos, junto das povoações, conforme imagem a seguir, cujo incendio circundou as aldeias, visto que, a vigilância nestas, sendo mais ativa, tem evitado que estes núcleos
Pinhal queimado
As imagens não identificadas foram tiradas do Google. A
última foi tirada pelo autor do texto.
Finalmente, quero
agradecer ao Snr Joaquim Carvalho Martins, outrora resineiro, pelo contributo que me deu na
elaboração deste modesto trabalho do
qual nada mais pretendo do que deixar escrito, para memória futura e,
homenagear uma atividade tão nobre que, conforme citado, pela ação do homem,
deixou, aqui, de existir.
Um Bem-Haja a todos! Espero que gostem e comentem !
Imagem tirada do Álbum do Autor
abibliotecaviva.blogspot.pt
14-02-2014
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