( Lembro, caros leitores, que eu e o meu irmão éramos órfãos e estávamos em 1943 , em plena Segunda Guerra Mundial, onde tudo era racionado e o pão, quase sempre sem conduto, sendo pouco e de milho amarelo, para nós, em casa do meu tutor, estava fechado á chave numa gaveta) e,
IV
Quando havia uma sardinha , esta era partida ao meio; Depois jogava-se à sorte com uma agulha de pinheiro para ver quem era o feliz contemplado com a parte do lombo; O que nos valia eram os passarinhos que caçávamos com os costelas e costelos , ratoeiras feitas de arame, com a diferença de as costelas que, ao terem uma cobertura por cima , feita em rede,permitiam apanhar os pássaros vivos, que armávamos em locais mais ou menos seleccionados, mas de preferência debaixo dàs arvores; Os pássaros vivos tinham ainda a missão de chamar a atenção de aos outros pássaros visto que eram amarrados a um fio e ,ao serem presos perto do local onde as ratoeiras se encontravam, serviam de chamariz; Assim a caçada era mais proveitosa.
Na tarefa de lhes tirar as penas era necessário depená-los pelo que arranjava uma ponta de colmo, que era extraida do centeio - na altura havia muito- assoprava-se , depois de se ter feito uma incisão no presunto do passarinho, até ficar cheio de ar; As penas depois saiam melhor; Eram tão bons; E quem é que se não lembra dos taralhões? Todas estas habilidades contribuiam para eu ter um pouco mais de conduto; Nem sempre comia a caça que apanhava; Lembro-me uma vez de , quando andava no pinhal com um saco a apanhar pinhas para a lareira, de me ter deparado com um coelho a dormir debaixo de uns fetos secos; Lanço-me com o saco, que ainda estava vazio, para cima do coelho e consegui apanhá-lo; Senti o cheiro do refogado do mesmo, quando a minha tia o arranjou, mas juro que o pitéu me passou ao lado; Compreendo porque o coelho não era muito grande, mas aquela atitude não me pareceu na altura correcta e hoje, com esta idade, e ao ter pensado nela tantas vezes ,não consigo explicar qual o Dom da Natureza que naquela situação foi usado; Teria sido o Dom do Amor? De certeza que não foi.
V
Tudo isto motivava a imaginação do meu irmão mais velho, a tentar sobreviver e eu ,como espectador atento, ficava sempre na primeira fila a assistir aos espectáculos que ele me proporcionava; Na época era hábito as pessoas colocarem os queijos de ovelha ou de cabra nos parapeitos das janelas a secar ; Bastava apenas um prego espetado na ponta de uma vara com as medidas adequadas para arranjar aqueles pitéus que, sem pão, eram mais apetitosos.
Por vezes o espectáculo tinha variedades; Em quase todas as casas havia galinhas e coelhos; Arranjava-se um coelho bi-funcional- isto é, caça e alimentação; Prendia-se o coelho a um pinheiro e com uma fisga e pedras vá de tentar a pontaria; Depois toca de o cozinhar para matar a malvada; Confesso que eram dias espectaculares e o meu maneiro ,era assim que a gente se tratava , na época , era o meu herói.
Mais uma história, infelizmente, verdadeira !
Da Biblioteca Viva
Março de 2011.
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