O meu tutor ficou satisfeito ; Comprou foguetes para festejar quando chegámos à aldeia ; Eu vinha com uma satisfação tripla; Aos 12 anos tinha ido estrear metade de um par de botas novas , a da frente; A outra parte, a de trás, era velha; As duas partes, foram restauradas, por um sapateiro da aldeia, a partir de umas botas velhas, do meu primo, seis anos mais velho do que eu e que era filho do meu tutor; Vestia o meu primeiro fato novo e tinha ido , também, pela primeira vez, à vila para fazer os meus exames do Ensino Primário Elementar- 4ª Classe - onde fui aprovado com distinção.
Depressa arrumei as botas; Os contra-fortes estavam crestados e faziam roeduras nos pés ; Era melhor continuar a andar descalço; Na aldeia as ruas eram cheias de mato em frente às casas onde era pisado pelas pessoas, carroças e animais; Era depois retirado para as hortas onde ia servir de estrume; Adubos químicos, se existiam, não havia dinheiro para os comprar; Por vezes, além do mato, havia também tojos e silvas nas ruas e era doloroso fazer a travessia nalguns locais da aldeia; Por outro lado, nas estradas e caminhos, só havia pó no verão, poças de água barrenta e lama no inverno; Mais tarde, apareceram as calçadas, mas só nas ruas principais das aldeias, porque o alcatrão, ouro para a época, ainda não tinha chegado às povoações ; A escola já tinha acabado; Os pés sofriam e o corpo também.
IV
A disciplina a que fui submetido era rigorosa; Conheci vários regulamentos discipinares; O caseiro RDC, o Escolar RDE e mais tarde o do Exército RDM. Cedo, por não ter quem me defendesse , aprendi a sobreviver às provocações; Sempre que algum colega mais velho me batia ,eu recorria à minha tia – o meu tutor estava quase sempre ausente - para fazer as queixas e obtinha sempre a mesma resposta, Bate-lhes tamãe , até que desisti de me queixar.
Nestas circunstâncias defendia-me com um ramalho – havia muitos em todo o lado – que utilizava de lado e cima para baixo e os adversários ao ficarem a saber como elas mordiam, começaram a não mais se meterem comigo; Do famoso escritor Aquilino Ribeiro li , mais tarde,no busto seu que está na sua casa museu,em Soutosa .Vila Nova de Paiva " De pena na mão procuro ser original, independente e inteiriço como um bárbaro "; Ora eu, também, para atingir o meu objectivo, não utilizando a pena utilizava o ramalho , isto é, quem não tem cão caça com um gato .
Cumprimentos da Biblioteca Viva
Março de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário