AS FONTES DA SOBREVIVÊNCIA
«Toda a Terra
manava leite e mel, mas foi abandonada pelo Homem»
Feitura dos
regos para colocar as sementes
A SEMENTEIRA DE UMA DAS FONTES DA SOBREVIVÊNCIA «O MILHO!»
Conforme descrito na minha
publicação anterior com o título «Sobrevivência», à Terra que tudo manava, o
sábio povo agradecia-Lhe, cantando-lhe as quadras seguintes que adaptei ao texto
:
EU SEI QUE ESTOU DEVEDOR À TERRA!
MAS SINTO QUE ELA, ME ESTÁ DEVENDO!
ASSIM! A TERRA QUE ME PAGUE EM VIDA!
PROMETO! QUE LHE PAGAREI EM MORRENDO.
II
EU SEI QUE VOU MORRER UM
DIA!
NUMA HORA! NÃO SEI QUANDO!
TERRA! QUE ME HÁ-DES COMER!
JÁ
TE PODES IR PREPARANDO.
mas, ao tirar-lhe também um pouco da sua vida,
daí «Me está devendo» ao ficar pronta
para receber as sementes de: milho, feijão que era consumido primeiro, em verde
e, depois, quando seco, e ainda as abóboras utilizadas na alimentação humana e
dos animais, está sempre pronta a pagar a generosidade com que é tratada por
estas maravilhosas gentes, pena é que tenha sido abandonada.
A tarefa da sementeira começava, quase sempre, depois da merenda e
consistia no destorroamento da terra, deixando a mesma plana, fazer os regos,
conforme imagem acima, à enxada, e colocação das sementes citadas, tarefa esta,
também, que era adstrita às mulheres.
A terra, no fim de nela serem colocadas as sementes nos regos, voltava
novamente a ser arrasada, manualmente, para tapar as sementes. Às vezes lá era
chamado o burro, que tinha passado o dia todo a descansar à sombra, (risos) cada
família tinha um, para com uma grade de madeira, que com pedras em cima, fazia
a pressão necessária sobre a terra de modo a que esta ficasse completamente
lisa.
Então era dada, nesta fase, o intervalo para que as sementes nascessem,
mais ou menos dez dias para, a partir daí, começar novamente a dedicação destas
gentes à sua fonte de subsistência « Os seus pedacinhos de Terra.»
Colocação
das sementes na terra
Logo que o milho atingisse o tamanho das imagens abaixo lá começava a
faina da monda, respetiva sacha bem como a necessidade de entancar a terra para
a rega que era feita semanalmente,
de acordo com o calendário que todos os
proprietários usavam desde tempos de antanho, a partir de Junho até Agosto. Na tarefa de entancar a terra era utilizada a caruma dos
pinheiros nas zonas com maior inclinação para evitar que os tanques da água se
derronchassem. Esta atividade era feita, normalmente, por mulheres, na imagem
abaixo, do nosso homem a regar, apreende-se que ele não aprendeu na zona a que
se refere este texto (Risos), que com sachos, e que não podiam praticamente aliviar as
costas visto que ,a água que as acompanhava nos regos que iam abrindo, não
podia ser desperdiçada. Eram autênticas maratonistas na arte da rega manual.
Sacha do milho
Rega do
Milho
Durante o mês de Setembro lá vinha a necessidade de despontar o milho,
colocar as pontas a secar ao sol bem como os novelos da folha que era retirada
dos caules do milho. E, aqui, aparecia uma nova fonte de preocupações
relacionadas com o tempo, havia trovoadas com alguma frequência, que obrigavam
estas gentes, fosse de dia ou, quando de noite, a levantarem-se para ir atar a
palha e trazê-la para o palheiro, também, aqui, cada família tinha um. A palha era
a base da alimentação dos burros e das ovelhas e cabras nos dias em que não
podiam ir para o pasto.
Burro
Carroça e o fiel amigo.
Como disse, anteriormente, cada casa tinha um burro que, além de trazer
com a carroça a lenha para o forno que servia para cada família cozer,
semanalmente, o pão de milho, tirava água nas noras dos poços das propriedades,
de alguns poços, a água era tirada pelos homens utilizando «gaivotas ou
picotas» conforme imagens abaixo, transportava, também, o mato das encostas que
depois levava para as hortas, já na versão estrume que ele, as cabras, as ovelhas,
os suínos, cada família matava um por ano na época do Natal, e outro animais
ajudaram a fazer, o qual era acumulado num monte que era feito durante o ano,
para a época das sementeiras que se iniciavam com a primeira plantação da batata, no princípio da
Primavera de cada ano.
As noras foram retiradas para decoração ou vendidas para
a sucata e os poços ou foram entulhados com o suor dos homens que os abriram ou
foram sepultados em campas rasas feita de betão. As gaivotas ou Picotas o tempo
encarregou-se de não deixar delas quaisquer vestígios para a posterioridade.
Eram bem perigosas, porque de vez em quando, lá ia o nosso homem agarrado à
vara para o fundo do poço.
Nora
Gaivota ou
picota
4- APANHA DO MILHO E RETIRADA DAS
MAÇAROCAS.
A partir da última semana de Setembro, primeira semana de Outubro as
espigas de milho eram retiradas dos caules
para a casa da eira, cada família tinha uma onde, de dia
ou aos serões, a tarefa de separar as maçarocas do milho das capuchas era feita
com o auxílio das outras famílias que entre si colaboravam, ver imagem
seguinte:
Descamisando
o milho « tirar a capucha».
5- SECAGEM DO MILHO NAS EIRAS
Depois, seguia-se a colocação diária de por as maçarocas a secar para
facilitar a debulha, normalmente manual, do milho que voltava novamente a ser
estendido ao sol em panos ou mantas até poder ser erguido para o limpar das
impurezas antes de ser guardado nas arcas. As maçarocas ou milho durante a
secagem, todos os dias, era guardado à noite no interior casa da eira para
voltar a ser posto a secar no dia seguinte logo pela manhã. Quando chovia!
Deixo à vossa consideração este assunto, caros leitores. Este Povo, neste caso
as mulheres, durante dias não paravam! Hoje, à distância, admiro-me como é que
estas heroínas, não ficavam zonzas de tanto praticarem o «Rapa, tira, deixa e
põe» e volta a tirar e volta a pôr e, por
vezes, quando começava a chover lá tinham que continuar com esta rotina até ao
verão de S. Martinho que se venera a 11 de Novembro.
Milho debulhado
à mão com um pau.
6- IDA DO GRÃO DE MILHO PARA O MOINHO
Depois, semanalmente, lá vinha o moleiro «sempre vestido de branco»
(risos) de porta em porta a recolher o cereal para moer em farinha/entregar a
farinha nos sacos do milho e do trigo /centeio, daqueles que o tinham, para
depois as famílias misturarem um pouco desta mistura na massa do milho, que
sempre ficava um pouco mais apelativo ao sabor e aguçava mais o apetite. Daí o
dizer-se «Coma comadre que é de mistura». ( Risos ).
Moinho movido
com a água da ribeira
Moleiro que
por vezes trazia a carga na carroça.
7- PENEIRAR
A FARINHA PARA EXTRAIR O FARELO
A farinha de milho era peneirada antes de ser amassada, para separar o
farelo que era misturado na comida dos suínos, numa masseira de madeira ou
alguidar conforme as imagens abaixo. O fermento utilizado para levedar era
guardado de uma semana para a outra com o resto da massa que ficava na
masseira.
Peneirando
a farinha de milho
Após
a farinha estar amassada o recipiente era colocado ao lado da lareira coberto
com um pano, para com ajuda do calor daquela levedar mais depressa.
Amassar a
farinha de milho
Logo que levedada a massa, esta era colocada numa tigela de tender que
servia de medida para cada pão onde, na mesma e, com a ajuda de farinha, para
não agarrar, era tendida para «homogeneizar massa» e colocada na pá do forno sendo, depois,colocada em cima desta para, depois, ser introduzida dentro do forno, conforme imagem
abaixo. Por vezes, o que era raro acontecer , o pão ficava assolapado, isto é, saía do forno, depois de cozido, com uma « cavidade entre a côdea e o miolo», o que fazia com que ele não ficasse tão apetitoso, devendo-se isso ao facto do forno não ter ficado devidamente aquecido ou devido à massa não ter estado o tempo suficiente a levedar. Depois o conjunto dos pães, lá permanecia, por mais ou menos duas
horas, até ficar cozido e pronto para ser comido cujo conduto era sempre o
mesmo, sardinhas, de preferência, ou bacalhau conforme imagens abaixo, não
faltando nunca, conforme imagem do início do texto, o inseparável vinho que, na
época, «alimentava milhões de Portugueses». (Risos).
Forno com o
pão de milho quase cozido
Sardinhas
assadas
Bacalhau
albardado com ovos para as merendas
Este era um dia especial, também para as crianças da casa, pois estas
esperavam que, do forno, mais cedo, saísse o seu bolo que era, também, o seu almocinho, o qual era recheado com metade de uma sardinha ou com uma tira de
toucinho.
O cheiro dos bolos para os não anósmicos que era emanado do forno, durante
a cozedura do pão, para o exterior levava toda a povoação a saber o local onde
naquele dia se estava a cozer o pão. E lá começava o pessoal da aldeia, além
das crianças, também a salivar (risos). Até o cheiro alimentava… Depois o pão
era metido nos armários e ali ia sendo
retirado à medida que ia sendo consumido, tendo sempre como conduto, quase
sempre a , também, inseparável sardinha, comprada no mercado da vila, uma vez
por semana, que, depois, era colocada em
cima de caruma num armário, e , depois, em muitas famílias ,chegava a ser
dividida em três partes e depois com uma caruma dividida em três partes lá
escolhiam a sua sorte.As crianças achavam graça, mas não gostavam nada que lhes saísse a cabeça. (Risos). Depois deste dia lá vinham, também, as maçãs , as azeitonas da talha , as cebolas novas com sal, os tomates e pepinos retalhados e polvilhados com sal grosso, para acompanhar a broa de milho.
Quanto à distribuição do pão, em muitas casas as crianças não tinham
acesso direto a ele, visto que se
encontrava fechado, em virtude de ter de chegar até à outra cozedura, pelo que
imperava a disciplina a que desde
garotos foram habituadas .
Cada família de quatro a cinco pessoas consumia em média um moio de
milho por ano « sessenta alqueires», cada alqueire equivalia a onze kilos de
farinha e, na aldeia ,eram poucas as
famílias que eram autossuficientes, pelo que tinham que recorrer ao mercado da
vila trazendo outros produtos da horta para vender e assim poderem adquirir o milho
em falta para alimentar toda a família.
Disse antes que o vinho alimentava, «milhões de portugueses», porque
estas gentes após as sementeiras do milho imigravam para as cavas das vinhas
para as regiões do Ribatejo e do Oeste, para quais ainda não havia mecanização.
Os cavadores eram emparelhados dois a dois em cada carreira de videiras e o
horário também era de sol a sol. No fim da década de cinquenta a jorna não
atingia os trinta e cinco escudos, hoje 17, 50 cêntimos
Cava das Vinhas
No contrato, por pessoa, estavam
incluídos três litros de vinho por dias, só que, como havia sempre os que bebiam
menos, o resto para não regressar à adega era sempre bebido no corte pelos que
bebiam mais donde, para alguns, a dose diária, facilmente podia atingir os
cinco litros de vinho, sem contar que era ingerido, nalgumas situações, com a comida no corte,
onde havia uma mulher vinda no contrato para fazer esta tarefa, porque, em vez de água, que ficava longe, a comida era feita com vinho.
Copo e Jarra com vinho
Verificaram, caros
leitores, que durante estas narrativas sobre «Sobrevivência», não me referi,
nunca, como é que a carne de aves ou de outros animais, entrava na alimentação
destas gentes, pelo que, sobre esta questão, digo o seguinte:
10-1- Todas as famílias
tinham aves de capoeira, mas em pequena quantidade, que só em caso de uma
doença, dia da festa da Padroeira da aldeia -15-08, ou da feira do ano 25-07 é que eram , abatidas algumas destas
aves, porque o milho, como disse, sendo pouco, tinha que ser guardado para satisfazer as necessidades do pão de cada
família. No dia a dia, quando trabalhavam nas suas próprias hortas não havia comida de garfo ao almoço, porque não havia tempo nem para a comer nem para a fazer, pelo que comiam pão com conduto nas deslocações para as hortas. A ceia era feita à noite à base de feijão cozido, demorava mais do que uma hora a cozer, couves e batatas, quando as havia ! A ceia , sendo feita depois do sol-posto, só ficava pronta muito tarde e as crianças, sempre elas, adormeciam e para a cama iam acompanhadas de um bocado de pão com conduto, passando assim as suas noites!
Na época um ovo cozido era
comido como se de um petisco se tratasse.
10-2- Em relação aos coelhos, tratados apenas com erva, ração de milho
nem vê-la, (risos) lá havia mais abundância, mas sendo frequente o aparecimento
de doenças nestes animais, algumas famílias desistiam de os criar nas suas capoeiras.
10-3- Outros tipos de carne que se consumiam, por exemplo, de ovelha e
de cabra era costume na véspera dos dias santos, feriados e festas, o
negociante de gado ali aparecer com os animais citados para abater no pátio da
taberna da aldeia. A carne depois era vendida a cada família de acordo com as
suas possibilidades e as encomendas que previamente fizeram. Assim só sobrava a
pele! (Risos) Esta carne tratada depois como carne de reixelo nas caçolas de
barro em cima de uma trempe ao lume constituíam um manjar simplesmente
fabuloso.
10-4- Deixei para o fim os inseparáveis habitantes de cada lar, os
suínos em que cada família matava um por ano na altura do Natal, que depois de
morto era chamuscado para se lhe tirar o pelo, desmanchado e salgado na
salgadeira onde a dona da casa era chamada a pronunciar-se na arrumação das
peças que teria de ir gerindo no ano inteiro. Os pés do porco eram guardados
para serem consumidos no dia de Carnaval, acompanhados com massa de meada e
grão-de-bico. Nesse dia e nos dias de festa, as couves e feijões e o azeite,
comida diária daquelas gentes tinham direito a descansar (risos).
10-5 - Um outro auxiliar de subsistência, além do pinhal e da resina já
por mim pulicado no Blogue com o título «Resineiro» que conselho a sua leitura,
eram as pás e os presuntos dos porcos os quais no início da Primavera eram
retirados do sal, barrados com azeite e colorau e protegidos com um pano e,
depois ali, alguns, ficavam á espera de imigrar
para o Alentejo. Não se riam! Porque isto acontecia mesmo pois, era frequente! Como
as jornadas de cavar terra eram duríssimas e longas, quase todos os dias os
cavadores bebiam uma gemada com vinho e açúcar a que, ainda, juntavam o molho
do toucinho previamente frito, cujos torresmos serviam, depois, de conduto com
o nosso pão de milho. Assim, saiam de casa «artilhados» pois como as terras
eram tabeladas tinham o receio de falhar agravado, ainda, pelo facto de, no ano
seguinte, não serem chamados, por aquele patrão, para aquela sementeira. (risos).
Assim o toucinho ao não chegar para o ano inteiro lá vinham os
negociantes do Alentejo, com muares cujos alforges vinham carregados de tiras
de toucinho de porco preto, com mais de uma mão de travessa de altura, mais
branquinho do que a cal da parede, para fazerem a permuta. Desconheço a % da troca,
mas como aos negócios se efetuavam é porque os mesmo foram compreendidos e aceites entre as partes.
10-6- Resta para finalizar, dizer
que hoje, nada do descrito existe, das jangadas das videiras, eram de madeira, e, das videiras não há sinais da sua existência, as florestas foram queimadas, abundando
agora o eucalipto, o mato que outrora
saía das encostas para fazer a cama aos animais e atapetar as ruas da
aldeia em frente às casas, onde era pisado pelas pessoas e animais, sendo
depois retirado para o monte do estrume, antes das sementeiras e, o mato, onde existe, está à espera que os incêndios
o vão roçar. Os «jardins dos mimos»
só continuam vivos na memória daqueles que «ainda acham que a terra lhes está devendo», porque no terreno
apenas existem silvas e ervas daninhas que causam um espetáculo desolador a
quem conheceu a realidade descrita e a situação atual. Simplesmente triste e
lamentável que a Terra que, naquele tempo valia ouro, e tantas vidas alimentou esteja agora morta e sem qualquer
valor comercial!
Nalguns casos, até as demarcações desapareceram!!
Finalmente, caros leitores, faço
votos que gostem tanto, desta narrativa verdadeira, como eu, ao escrevê-la,
tive.
Agradecia, como habitualmente, os
vossos comentários.
Publicado
por:
Imagens do
Álbum do Autor e do Google
abibliotecaviva.blogspot.pt
17-04-2014